convidei um amigo
para ficar em silêncio
comigo
ele veio
meio a esmo
praticamente não disse nada
e ficou por isso mesmo"
(Leminski)
Cachorro é assunto para iniciados. Quem nunca teve a alegria de chegar em casa e ser recebido com uma verdadeira festa (ainda que tenha saído só pra ir à padaria da esquina) não entende o motivo de tanto nhenhenhem com os bichinhos.
Com nhenhenhem", que fique bem claro, eu não quero falar de fazer aniversário de cachorro, encher o bicho de roupinhas, pulseiras e afins, que isso eu acho uma grande bobagem. Falo do nhenhenhem emocional, da dor que a gente sente quando vai viajar e ficar longe deles, da loucura e da preocupação quando eles ficam doentinhos, enfim, do amor que eles são capazes de despertar e mais, da sensação que eles nos transmitem, contra toda a racionalidade possível, de que também nos amam. Clarice Lispector disse certa vez, sobre o seu cão Dilermando, que ela encontrou nas ruas de Nápoles:
Filhotes de akita |
"Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão”
Imaginação? Carência afetiva? Ilusão?
Quem estuda o assunto diz que sim, que os cães podem ter certas emoções, mas não têm propriamente sentimentos, e que tudo não passa de projeção.
“Se alguém parar e olhar fundo para os olhos do seu cão em particular, poderá encontrar uma infinitude de sentimentos, mas que são seus, não do seu cão. Tendemos a ver nos cães o que precisamos ver e receber. São as nossas emoções e nossos sentimentos que estão ali depositados. (...) quando procuramos pelos olhos do nosso cão e conseguimos ver uma gama toda de sentimentos e sensações emocionais, é porque algo nos falta. (Synara Rillo, no livro Cães, donos e dores humanas)
Nada mais lúcido e racional.
Mas...quem se importa? Algo sempre nos falta. A incompletude e a insatisfação fazem parte da nossa natureza. O contentamento é algo que se consegue com um longo trabalho espiritual e filosófico. No fundo somos uns bebês mal acostumados, ansiando por acolhimento, compreensão e amor. E os cães muitas vezes se encaixam com perfeição nessa necessidade, e então a simbiose é extraordinária.
Eu tenho dois akitas e minha mãe tem um poodle, de modo que posso conviver com dois tipos de cachorro bastante diferentes, pois o poodle, como todo cachorro de raça pequena, é agitadinho, fofíssimo e muito dependente. Já os akitas são mais quietos e arredios. Quando querem, são extremamente carinhosos, e é engraçado ver aquele bicho imenso, parecido com um lobo, deitado no chão, com a barriga pra cima, mordiscando delicadamente o seu braço com aqueles dentões enormes, como se fosse um filhotinho. Mas às vezes ele é mais arredio e acontece até de você chegar perto, fazer um carinho, ele te olhar torto, levantar e ir pra outro lugar, ficar lá, sossegadão. Parece querer dizer que hoje não está pra muita conversa, quer ficar quieto, quer meditar!
Pablo |
Lolita |
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