A cortina que não cerrei na noite anterior providenciou um jeito de me acordar às sete da manhã. O sol entrava pela janela com uma urgência desmedida, e gritava: “acorda, que hoje é dia de praia”.
Não resisti ao chamado e corri para Ponta Negra, no meu costumeiro biquíni azul, por baixo do vestidinho azul , pisando o azul das minhas havaianas, porque quando o céu me brinda com o azul mais azul que possui, tenho vontade de sair assim, pra combinar com ele.
E eu estava numa alegria exuberante. Era um daqueles dias em que você não sabe bem o porquê, mas você não cabe em si.
Do alto da ladeira que desemboca no calçadão, olhei aquele mar imenso. O sorriso foi inevitável. Enchi o pulmão de ar e pensei: nada como um dia perfeito !
E nesse enlevo desci o calçadão, tirei as sandálias, pisei a terra... Mas tal qual uma música que vai baixando, baixando, até desaparecer num final desafinado, meu sorriso foi diminuindo quando dei de cara com a beira mar completamente ocupada por cadeiras vazias e guarda-sóis imensos. Os melhores lugares, todos ocupados! Ok, ok, isso não iria estragar meu dia. Decidi engolir a chateação e pagar dois reais para sentar numa cadeira. Cheguei para o dono-das-cadeiras:
- quanto custa sentar?
- na pequena é cinco e na maior é oito.
- cinco o quê, cinco reais? Eu não sou gringa não, ó. Sou branquela e avermelhada mas moro aqui em Natal. Deixa de conversa e diz quanto é.
- é isso mesmo, moça, na pequena, cinco, na maior, oito.
Olhei pra ele com a cara mais idiota que consegui fazer. Minhas opções: me apertar entre uma cadeira e outra, no chão, ou pagar cinco reais (porque oito é impensável!)
Mas nesse momento me veio a iluminação, aquela que gera as grandes e revolucionárias idéias, que só acomete certas pessoas que têm o dom de realizar feitos memoráveis. Com a certeza de estar dando um passo irreversível para a construção de uma praia mais democrática e mais natalense, peguei a cadeira e fiz um arremesso à distância. A pobre da cadeira, de madeira roída e gasta, se quebrou num grande “crec”. Logo chegou o dono-das-cadeiras, perplexo, gritando: “tá doida, é, moça?”
E assim, de forma teatral, liberei MEU espaço na areia. Desenterrei o guarda-sol e girei com ele para arremessá-lo também, bem longe. A essa altura o dono-das-cadeiras se atracou comigo e o barraco estava armado.
Pois essa luta chamou a atenção de diversas pessoas. Puxa de lá, puxa de cá, e quando vi o público se formando larguei o guarda-sol e comecei um discurso inflamado, dizendo que tudo que eu queria era um lugar na praia. Ninguém comprou Ponta Negra, ela continua sendo pública, e se não quero pagar cinco reais para sentar à beira mar, posso muito bem tirar a cadeira e o guarda-sol e sentar naquele local. E prossegui, entusiasmada:
- Natal é nossa, não podemos mais admitir que nos espoliem dessa forma. Natalenses de todos os bairros, uni-vos. O morro do careca é nosso, Ponta negra é nossa. Chega de turismo sexual. Chega de exploração monetária. Chega de não poder andar no calçadão com medo de ser confundida com prostituta. Nosso salário é em real. Queremos comprar em real, não em euro. Queremos ter condições de comprar uma casinha aqui, ou pelo menos queremos sentar à beira mar de graça, ninguém pode nos tomar esse direito! Que venham os bons turistas, aqueles interessados no mar e nas belezas da nossa cidade, mas que se explodam os turistas predatórios. Viva a liberdade, viva a nossa praia como era antigamente!!!
E todos se juntaram a mim, e começaram a atirar os guarda-sóis, e entre aplausos comovidos, cadeiras e guarda-sóis voadores, sentei dramaticamente no meu pedaço de chão, num momento apoteótico.
Acordei sorrindo, me remexendo e repetindo “obrigada, obrigada”. Quando percebi o que ocorreu, dei grande uma risada. Eu e meus sonhos cinematográficos!
A essa altura, passava das sete, o calor já tomava conta do meu quarto. A cortina aberta balançava. O despertador que não tocou me disse, com seu silêncio, que era domingo.
Sentei na cama, acostumando os olhos com a claridade, espreguicei gostoso, olhei o azul lá de fora e pensei, entusiasmada e diabolicamente premonitória:
“ Hoje é dia de praia…”
(brincadeirinha escrita em 2006, depois de uma manhã em Ponta Negra e depois de muita indignação com o que vem ocorrendo com a praia...)
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