quinta-feira, 3 de março de 2011

Amar é ter um pássaro pousado no dedo

Certa manhã tive de súbito a lembrança de ter passeado por uma rua  com minha akita e de ter visto, na calçada, uma árvore totalmente desfolhada e repleta de pássaros.  Fiquei sem saber ao certo se era uma lembrança falsa (resquícios de um sonho, talvez) ou se eu realmente havia passado nesse local. No dia seguinte fui tirar a dúvida, e lá estava ela: imponente, apesar da ausência das folhas. Galhos e mais galhos retorcidos. Parecia serena, transmitia uma estranha sensação de perenidade. E nos galhos, dezenas de passarinhos.  A árvore, então, não havia sido sonhada. Ela existe e fica numa rua por trás da minha casa.  Eu adoro passar por lá no finalzinho da tarde, quando os pássaros estão alvoroçados, cantando e se movendo bastante, indo e voltando, pousando e voando. 

Algum tempo atrás eu li numa crônica de Rubem Alves que amar é ter um pássaro pousado no dedo. Achei linda essa frase, porque traduz a extrema delicadeza e a sutileza do amor. Amar é deixar. Acolher, sem sufocar. O pássaro pousa na sua mão e você fica contemplando a sua beleza e ouvindo o seu canto. Com cuidado para não espantar.  Não é nada fácil. O primeiro impulso é de aprisioná-lo, para garantir que ele não vai fugir e para que ninguém mais tenha acesso ao seu canto. 

A árvore das minhas tardes é uma boa alegoria do que somos, sobretudo depois de um certo tempo de estrada: desfolhados por decepções, mágoas, dúvidas e cansaços. E os pássaros vêm e vão, e é preciso serenidade para permitir que eles pousem, dar espaço para que cantem e, se for o caso, levantem vôo novamente.  Por mais que fiquemos torcendo para que permaneçam.  Pássaros vivos e livres injetam vida na árvore desfolhada; sem eles, ela seria um triste amontoado de galhos.  Juntos e em equilíbrio, formam uma paisagem tão bela e exótica que mais parece saída de um sonho. 


PS: texto e música para Carlos 

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