segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Detalhes nem tão pequenos assim

No dia 10 de dezembro haverá show de Roberto Carlos para marcar a inauguração do teatro Riachuelo aqui em Natal. Ingenuamente eu pensava em levar a minha mãe e o meu  pai. Mas como é mesmo aquela música...?

Quem espera que a vida 
Seja feita de ilusão 
Pode até ficar maluco

Pois é. Foi muita ilusão.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Elogio da inutilidade

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. (...)  Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas. À duração de existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios.
(Clarice Lispector)

Crianças adoram coisas inúteis. Brincar, gastar o tempo à toa. São horas correndo para lá e para cá, horas ninando bonecas, ou simplesmente cantarolando uma musiquinha enquanto se balançam numa rede ou num pneu velho.  Ouvem “estorinhas” dos pais pelo mero prazer de ouvir; algumas até escrevem sua própria estórias, não para vender livros, mas para se divertir. Quando aprendem a ler, começam a soletrar o que vêem pela frente: placas, letreiros. O prazer de saber, de descobrir. Depois começam a ler gibis e livros. Não lêem para aprender; lêem para mergulhar na história. Mas à medida que vão crescendo, o utilitarismo vai dominando suas vidas. Não brincam mais; lêem quando precisam estudar; estudam para passar de ano; entram na universidade pensando em se formar, e se formam pensando em trabalhar. Já trabalhando, passam a ouvir música apenas no caminho para o trabalho, enquanto enfrentam um ônibus lotado ou um trânsito estagnado. Casam para constituir família, ou para driblar a solidão; lutam para manter o casamento; vão morar nas suas casas ou apartamentos de "arquitetura funcional"; controlam com rigor o próprio tempo; desdobram-se para alcançar metas na vida profissional e também na pessoal. Rezam para ter o conforto de uma outra vida; e sempre se esforçam para acreditar que tudo isso tem um sentido.

Certos autores

Eu adoro ler, desde sempre, e no decorrer dos anos fui desenvolvendo uma ligação especial com os autores. Com alguns tenho uma relação carinhosa: é o caso de Mario Quintana, Cecília Meireles, Garcia Márquez, Thiago de Mello. Com outros tenho certa reverência: Drummond, João Cabral de Melo Neto, Borges. E existem aqueles que dizem exatamente o que eu queria dizer, mas não tenho o talento nem a expressividade para tanto: Clarice Lispector, Albert Camus. Mas com uns poucos acontece uma espécie de fenômeno: pura paixão. Não dá pra explicar. É um escritor cuja técnica eu admiro; gosto racionalmente dos livros, mas não é só isso. Surge uma “química”, que vai além da literatura. Vem uma curiosidade imensa pra conhecer a vida dele e eu passo por aquela fase tipicamente apaixonada: de pensar nele, sonhar com ele e falar sobre ele pra todo mundo (é eu fico chata, fico sem outros assuntos). Com Paulo Leminski foi assim. Eu estava tão conectada com a biografia dele (O bandido que sabia latim, de Toninho Vaz) que passei um fim de semana inteiro só lendo, não conseguia fazer outra coisa e até faltei no meu curso de yoga, porque paixão não tem nada a ver com equilíbrio, concentração e relaxamento. Minha psicóloga chegou a perguntar se eu havia me dado conta de que estava APAIXONADA por ele!!! Vale ressaltar que isso não foi propriamente um problema doméstico, visto que Leminski morreu em 1989, e além disso ele não gostava muito de tomar banho nem escovar os dentes (eca), então não se tratou de um caso extraconjugal!!! Mas que fiquei apaixonada, isso fiquei. 
Pois aconteceu de novo. Eu me apaixonei novamente. O nome dele é Reinaldo Arenas. Poeta cubano. Homossexual, morreu em 1990 (eheh, meu marido tem uma sorte...). Já publiquei duas poesias dele aqui.  Mas o que me atraiu tanto em Arenas?
Junto com ele, conheci outros nove poetas cubanos. No entanto a poesia dele tinha algo de tremendamente doloroso, temperado com muita ironia e com uma resistência que me inundou o coração. Alguma coisa dizia que ele era bastante especial. 
Então descobri que ele escreveu, pouco antes de morrer, uma autobiografia intitulada Antes que anothezca. E essa autobiografia virou um filme chamado Before Night Falls. Quem faz o papel do poeta é Javier Bardem, como sempre perfeito (vale uma observação: também sou meio apaixonada por Bardem). E o filme é lindo, e mostra um lado obscuro do governo de Fidel Castro. Arenas foi duramente perseguido, por ser poeta (sim, isso mesmo) e por ser homossexual. Esteve preso mas finalmente conseguiu sair do país e se exilou nos Estados Unidos. Então depois de ver o filme entendi o que, antes mesmo de sabê-lo, me encantou tanto nesse cubano: ele tinha um peito carregado de emoção, de resistência, de exílio e de lembranças. Uma vida pulsante. Um menino “desagradável”, que quis viver do seu jeito e não se rendeu jamais:

Sou esse menino desagradável,
sem dúvida inoportuno,
de cara redonda e suja,
que fica nos faróis,
onde as grandes damas tão bem iluminadas,
ou onde as meninas que parecem levitar,
projetam o insulto de suas caras redondas e sujas.

Sou uma criança solitária,
que o insulta como uma criança solitária,
e o avisa:
se por hipocrisia você tocar na minha cabeça,
aproveitarei a chance para roubar-lhe a carteira.

Sou aquela criança de sempre,
que provoca terror,
por iminente lepra,
iminentes pulgas, ofensas,
demônios e crime iminente.

Sou aquela criança repugnante,
que improvisa uma cama de papelão
E espera, na certeza,
que você me acompanhará.

(Reinaldo Arenas)


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Uma mulher e dez segredos

1) Fui grande admiradora de programas toscos na TV. Adorava o cine trash, na Band (e ainda hoje lembro do filme “elevador assassino” cada vez que entro em um elevador). Já adulta, via bastante o programa do Chaves e não perdia um capítulo da novela “Betty, a feia” (a original, mexicana). E numa fase muito estranha da minha vida eu gostava de assistir a uma novela das seis só pra escutar o pagodeiro Belo (aquele mesmo, que foi preso) cantando “Mel... sua boca tem o mel, e melhor sabor não há, que loucura  te beijar”. AAAAAAArgh!

2) Sou um pouco, digamos, inconstante com atividades físicas. Já pratiquei natação (e nunca aprendi a nadar), hidroginástica, musculação (em muitas academias da cidade, e nunca consegui permanecer em nenhuma), caminhadas, tai chi chuan, dança de salão, dança do ventre, dança de rua, dança flamenca (e não sei dançar porra nenhuma) e hatha yoga. Hoje pratico Ashtanga yoga e comecei recentemente no Pilates. 

3) Sou louca por terapias, tratamentos alternativos, "pajelanças" e massagens. Já passei por seis psicólogos (na verdade, com dois deles tive uma única consulta) e alguns curandeiros. Amo florais, chás, "garrafadas" e remedinhos caseiros. Além disso, já fiz curso de massagem ayuvédica, de meditação, de formação em hatha yoga (esse durou um ano, teórico e prático) e de programação neurolinguística.

4) É, eu já era bem grandinha quando comprei um CD de Sandy e Júnior.  

5) Sei cantar muitas músicas bregas, mas aquele bregão mesmo, tipo essa aqui: No hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via, você sofrendo a sorrir. Mas seu sorriso aos poucos se desfazendo, então vi você morrendo, sem poder me despedir!!

6) Desde sempre adoro livros. Como já tinha lido tudo que existia lá em casa e na biblioteca da minha escola, saía pedindo emprestado na vizinhança, motivo pelo qual li muito Sidney Sheldon e também aquela coleção Sabrina, Julia, Bianca. Então eu sei de uma quantidade razoável de eufemismos para os órgãos sexuais masculinos e femininos.  

7) Já tive o cabelo cortado à moda de chitãozinho e chororó; aquele franjão horroroso, até a metade da cabeça, e os fiozinhos atrás. Medooooo!

8) Beber e ficar lembrando daquele amor não correspondido, do romance terminado, isso é clássico. Mas na primeira vez em que bebi e fiquei “alta” não pensei em nenhum amor. Fiquei na fossa mesmo por causa do fim de uma amizade de infância. 

9) Quando eu era adolescente, achava que minha voz era idêntica à de Paula Toller, a vocalista do Kid Abelha, principalmente cantando no banheiro. Tudo bem que ela era meio desafinada, mas quem se importava? Para mim a voz dela era linda. Também ficava lendo aquelas matérias na “capricho”, das modelos dizendo que eram bem feinhas quando foram “descobertas” e depois ficaram lindas. Então eu achava que um dia ia ser descoberta...iria "desabrochar" e virar uma mulher linda ou iria ser cantora. É, não aconteceu. Nem uma coisa nem outra.  

10) Sou uma pessoa fundamentalmente atrapalhada. Esbarro nos móveis, esqueço de pagar a conta do telefone, perco tudo, procuro os óculos com eles no rosto, esqueço onde guardei as coisas e caio bastante; já sofri uma queda cinematográfica nas escadarias do cinemax (foi pipoca pra todo lado) e o detalhe: tinha ido assistir a uma comédia. A trilha sonora desse momentos é “conspiração internacional”, por Leoni:



Obs: Essa postagem foi sugerida por Nira; a idéia é listar dez segredos "confessáveis"

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sobre brincar e viver

Rir é uma das melhores coisas da vida, mas parece que às vezes entramos em um ciclo de pressão, responsabilidades, exigências e  tristeza que nos retira temporariamente essa capacidade. Eu mesma às vezes fico tão séria, imprimo tanta gravidade às coisas, que esqueço que quase nada é tão importante quanto parece. 
Quando somos crianças, rir é bem mais fácil. Porque nessa fase, brincar é um ato natural, e a brincadeira é mãe do riso. Mas à medida que crescemos vamos também esquecendo o que significa brincar. 
Eu não gostava muito de ninar bonecas, preferia cortar o cabelo delas (houve uma época em que pensava em ser cabeleireira). Também gostava de maquiá-las, e meu sonho de consumo era uma que tinha só a cabeça e a brincadeira consistia em pintar o rosto todo. Adorava, também, trocar a roupa delas, mesmo que a roupa "nova" fosse um paninho qualquer e não caísse tão bem. Enfim, eu não me conformava com o brinquedo original. No fim das contas, até onde me lembro minhas bonecas eram sempre meio sujas, mutiladas, de cabelo curto...
Hoje, adulta, muitas vezes tenho o desejo de, de vez em quando, simplesmente parar tudo, repensar, desfazer, reconstruir. Fico pensando que esse desejo pode ser uma continuação da minha vocação para cabeleireira de bonecas. Minha insubordinação íntima com certas regras e convenções da vida pode ter começado no exato momento em que tosei a primeira cabecinha! 

Quebrar o brinquedo
é mais divertido.
As peças são outros jogos:
construiremos outro segredo.
Os cacos são outros reais
antes ocultos pela forma
e o jogo estraçalhado
se multiplica ao infinito
e é mais real que a integridade: mais lúcido.

Mundos frágeis adquiridos
no despedaçamento de um só.
E o saber do real múltiplo
e o sabor dos reais possíveis
e o livre jogo instituído
contra a limitação das coisas
contra a forma anterior do espelho

E a vertigem das novas formas
multiplicando a consciência
e a consciência que se cria
em jogos múltiplos e lúcidos
até gerar-se totalmente:
no exercício do jogo
esgotando os níveis do ser.

Quebrar o brinquedo ainda
é mais brincar.
(Orides Fontela)

Quebrar o brinquedo, construir novos segredos, tudo isso, evidentemente, é uma metáfora do viver. No fundo, a bela poesia de Orides Fontela diz assim (e eu assino embaixo) : romper as regras é muito mais viver. 

Sobre morar e brincar

Quando eu era pequena, morava em uma casa de primeiro andar, com um quintal enorme. Havia muitas árvores (uma mangueira bem grande, bananeiras, goiabeira, coqueiros...) e também um galinheiro. Já nessa época meu “espírito libertário” se manifestava: eu abria a porta e soltava todas as galinhas, o que deixava minha mãe doida. Depois ela passou a amarrá-las com cordões, as pobrezinhas, e então eu ia escondida com uma faca e cortava esses cordões, e lá iam as galinhas, felizes, leves e soltas. Era uma missão importantíssima para mim, e muito emocionante.
Dentro da casa, a escada que dava acesso ao primeiro andar era um tanto sinistra, meio escura, e fechada por paredes dos dois lados (era uma espécie de corredor-escada). Aí houve uma época em que passava uma novela na TV Globo em que um personagem morria mas continuava vindo se balançar numa daquelas cadeiras de palhinha, que a gente chamava de cadeira-da-vovó. Havia uma cadeira dessas no andar de cima, e sempre que eu ia lá sozinha ela balançava terrivelmente, e eu disparava feito doida escada abaixo, certa de que alguma alma penada estava sentada lá, só me aguardando. Cheguei a sofrer umas quedinhas, mas nada grave. Lembro também que depois de assistir ao filme “Poltergeist – o fenômeno”,  subir sozinha se transformou em ato de suprema coragem. Além disso, passei a ter a nítida sensação de que sob um dos canteiros de plantas lá do quintal havia um cemitério, tal qual acontecia no filme. E assim minha infância foi povoada de cadeiras e redes que balançavam sozinhas, portas que se fechavam sem que ninguém empurrasse, ímpeto libertador de galinhas e um quintal que escondia ossadas de gente morta há muito tempo. 
Todas essas lembranças foram despertadas quando li uma maravilhosa poesia de Mario Quintana, que diz assim:

Não gosto da arquitetura nova
Porque a arquitetura nova não faz casas velhas
Não gosto das casas novas
Porque as casas novas não têm fantasmas
E, quando digo fantasmas, não quero dizer essas assombrações vulgares
Que andam por aí...
É não-sei-quê de mais sutil
Nessas velhas, velhas casas,
Como, em nós, a presença invisível da alma... Tu nem sabes
A pena que me dão as crianças de hoje!
Vivem desencantadas como uns órfãos:
As suas casas não têm porões nem sótãos,
São umas pobres casas sem mistério.
Como pode nelas vir morar o sonho?
O sonho é sempre um hóspede clandestino e é preciso
(Como bem sabíamos)
Ocultá-lo das visitas
(Que diriam elas, as solenes visitas?)
É preciso ocultá-lo dos confessores,
Dos professores,
Até dos Profetas
(Os Profetas estão sempre profetizando outras coisas...)
E as casas novas não têm ao menos aqueles longos, intermináveis corredores
Que a Lua vinha às vezes assombrar!

Da mesma forma que o poeta, adoro casas antigas e espaçosas, com algum toque de mistério. Não gosto da idéia dos arquitetos de aproveitar cada mínimo espaço para torná-lo funcional. A funcionalidade total retira a graça. Anula a alma. Não suporto que cada coisa esteja sempre no seu lugar. Há uma parte de mim que clama por um pouco de desordem. Uma casa arrumada demais me dá receio: sinto como se estivesse andando em campo minado. Espaços “inúteis”, uma boa varanda, um lugar para armar uma rede, um cantinho que tenha um ar de displicência. Um quartinho escuro, um corredor assustador. Sombras, possibilidades. 
Porque talvez eu ainda queira brincar. Talvez esse meu jeito de adulta séria e “respeitável” seja um disfarce e  eu ainda seja a criança que morre de medo de fantasmas e adora sonhar.

Oba

Dilma venceu, e meu lado palpiteira em matéria política entra em recesso, mas só até a posse! Agora é  hora de assistir aos pronunciamentos, entrevistas, e sobretudo de registrar as propostas. Estou apostando pra ver. E estou com fé, apostando alto.