terça-feira, 23 de novembro de 2010

Certos autores

Eu adoro ler, desde sempre, e no decorrer dos anos fui desenvolvendo uma ligação especial com os autores. Com alguns tenho uma relação carinhosa: é o caso de Mario Quintana, Cecília Meireles, Garcia Márquez, Thiago de Mello. Com outros tenho certa reverência: Drummond, João Cabral de Melo Neto, Borges. E existem aqueles que dizem exatamente o que eu queria dizer, mas não tenho o talento nem a expressividade para tanto: Clarice Lispector, Albert Camus. Mas com uns poucos acontece uma espécie de fenômeno: pura paixão. Não dá pra explicar. É um escritor cuja técnica eu admiro; gosto racionalmente dos livros, mas não é só isso. Surge uma “química”, que vai além da literatura. Vem uma curiosidade imensa pra conhecer a vida dele e eu passo por aquela fase tipicamente apaixonada: de pensar nele, sonhar com ele e falar sobre ele pra todo mundo (é eu fico chata, fico sem outros assuntos). Com Paulo Leminski foi assim. Eu estava tão conectada com a biografia dele (O bandido que sabia latim, de Toninho Vaz) que passei um fim de semana inteiro só lendo, não conseguia fazer outra coisa e até faltei no meu curso de yoga, porque paixão não tem nada a ver com equilíbrio, concentração e relaxamento. Minha psicóloga chegou a perguntar se eu havia me dado conta de que estava APAIXONADA por ele!!! Vale ressaltar que isso não foi propriamente um problema doméstico, visto que Leminski morreu em 1989, e além disso ele não gostava muito de tomar banho nem escovar os dentes (eca), então não se tratou de um caso extraconjugal!!! Mas que fiquei apaixonada, isso fiquei. 
Pois aconteceu de novo. Eu me apaixonei novamente. O nome dele é Reinaldo Arenas. Poeta cubano. Homossexual, morreu em 1990 (eheh, meu marido tem uma sorte...). Já publiquei duas poesias dele aqui.  Mas o que me atraiu tanto em Arenas?
Junto com ele, conheci outros nove poetas cubanos. No entanto a poesia dele tinha algo de tremendamente doloroso, temperado com muita ironia e com uma resistência que me inundou o coração. Alguma coisa dizia que ele era bastante especial. 
Então descobri que ele escreveu, pouco antes de morrer, uma autobiografia intitulada Antes que anothezca. E essa autobiografia virou um filme chamado Before Night Falls. Quem faz o papel do poeta é Javier Bardem, como sempre perfeito (vale uma observação: também sou meio apaixonada por Bardem). E o filme é lindo, e mostra um lado obscuro do governo de Fidel Castro. Arenas foi duramente perseguido, por ser poeta (sim, isso mesmo) e por ser homossexual. Esteve preso mas finalmente conseguiu sair do país e se exilou nos Estados Unidos. Então depois de ver o filme entendi o que, antes mesmo de sabê-lo, me encantou tanto nesse cubano: ele tinha um peito carregado de emoção, de resistência, de exílio e de lembranças. Uma vida pulsante. Um menino “desagradável”, que quis viver do seu jeito e não se rendeu jamais:

Sou esse menino desagradável,
sem dúvida inoportuno,
de cara redonda e suja,
que fica nos faróis,
onde as grandes damas tão bem iluminadas,
ou onde as meninas que parecem levitar,
projetam o insulto de suas caras redondas e sujas.

Sou uma criança solitária,
que o insulta como uma criança solitária,
e o avisa:
se por hipocrisia você tocar na minha cabeça,
aproveitarei a chance para roubar-lhe a carteira.

Sou aquela criança de sempre,
que provoca terror,
por iminente lepra,
iminentes pulgas, ofensas,
demônios e crime iminente.

Sou aquela criança repugnante,
que improvisa uma cama de papelão
E espera, na certeza,
que você me acompanhará.

(Reinaldo Arenas)


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