domingo, 14 de agosto de 2011

As brutas

(Reina María Rodriguez)


Quatro mulheres enforcaram-se no planalto.
Degolaram com paciência os seus animais
as suas vinte cabras
os seus dois cães de raça,
e os corpos
penderam no vazio.
Mas o vazio tinha nesse dia uma luz roxa
e havia pássaros presenciando o sangramento
daquele sangue jovem.

Eram irmãs
e os cães eram amantes
e as cabras pastavam sobre a mesma colina
cruzavam e descruzavam as suas patas dianteiras
com um lento movimento de felicidade.
Ao levantar-se, ninguém estava com ânimo para assistir à paisagem.
Ninguém ouviu o canto das cabras
ao concluir o seu caminho.
Ninguém ouviu ladrar os cães
(o seu silêncio é a morte)
e não há que virar os olhos
para os cumes nevados
com as quatro mulheres penduradas
(podem ser de argila a esta distância)
figuras de palha seca ao sol,
(espantalhos)
alguma ilusão de cinza no alto.
Atrás, segue passando o rio.
Cada vez mais claro, mais manso.
O vento balança-as a cada momento.
Ninguém se atreve contudo a descê-las.
Ninguém quer conceber o uivo sem eco
de planalto.
Mulheres sem homens (bestas) com os joelhos fracos
– não foram elas as do grito, as da queixa –
foi mais dos animais a lamentação.
Soa um corno de caça medieval.
O homem numa névoa de paixão, recordações
e amargura
(baixa)
mas chegou tarde para as resgatar.
Luciana casava-se na próxima semana.
Não pôde adiar a decisão colectiva,
o rito de morrer das suas irmãs.
Justa cerzia para um orfanato
e Quisque dava de comer aos animais.
Umas vidas simples…
Quisque, Justa, Lucía e Luciana
rebentaram o cordel que juntas as atou.
As brutas, diziam-lhes.
As sábias, murmuravam.
Contradição da representação.
Formalidades.
Quatro figuras, vinte cabras
e dois cães de raça caem como sementes no orvalho.
Uma mão, o dorso de um cão, a falange,
um pescoço cortado em cruz
o meu focinho, o teu.
O cordel que as une é o limite?
O limite esse grito que ninguém escutou?
Como tirar os olhos de uma paisagem
sem cães nem cabras?

Nenhum comentário: