sexta-feira, 2 de março de 2012

Plínio Marcos, o tempo todo.



Um camelô. Camelô dos seus próprios livros, que vendia nas portas dos teatros. E tão simpático e prestativo que prometia morrer logo para valorizar os autógrafos.  Mas tão antipático e irascível que agrediu verbalmente um garoto que chegou para cumprimentá-lo e...pedir um autógrafo. Um dramaturgo fantástico. Um inculto, que conhecia vinte palavrões e escrevia peças. Um grande admirador da sua esposa, a atriz Walderez   de Barros. Admirador das mulheres em geral, capaz de se meter numa briga de desconhecidos para evitar que batessem em mulher. Um briguento, aliás. Um machista meio cômico, que acreditava estar ofendendo uma mulher se não se lhe desse uma cantada e não convidasse para “dar uma chegadinha” ao seu apartamento. Nunca se filiou a partidos ou instituições. Um anarquista. Mas um anarquista extremamente amoroso com os amigos, capaz de gestos grandiosos. E mais estranho ainda: um anarquista que acreditava nas cartas do tarô. Um crente, um religioso? Não, um bandido.  Foi preso algumas vezes, e o engraçado é que os guardas o adoravam (onde já se viu isso?). Um barbudo meio desdentado e mal vestido, que foi amigo de Cobrinha, um morador de rua que morreu de tuberculose.  Um pai que usou fraque para levar a filha ao altar. Um escritor na feira do livro em  Paris,  posando para fotos ao lado de João Ubaldo Ribeiro e Chico Buarque. 



Este foi Plínio Marcos, cuja biografia, "Bendito Maldito", escrita por Oswaldo Mendes, encanta pelo inusitado. 

Ele nasceu em Santos,  em setembro de 1935. O segundo de seis filhos. Nas ruas, logo cedo ganhou fama de briguento e valentão. Canhoto, terminou por detestar a escola porque os professores lhe davam “reguadas” para que passasse a escrever “com a mão certa”. Quando largou a escola, foi vendedor de livros espíritas, trabalhou com encadernação, foi bancário por um dia, técnico de fogões, e, por fim,  palhaço de circo (Palhaço Frajola). Bom de bola, teve experiências no rádio, trabalhou em jornais, foi ator, mas gostava mesmo era de escrever peças. Ah, e foi também vigia de teatro. Um vigia que escrevia peças.  Foi saudado por trazer para o palco a linguagem e a voz dos marginalizados: prostitutas, presidiários, perdidos. Perdidos na noite suja. Mas também foi duramente criticado e foi talvez o artista mais vetado e proibido pela ditadura. Chegou ao ponto em que ter Plínio Marcos por perto “pegava mal”. A saída era vender seus livrinhos nas portas dos teatros, mas às vezes nem isso ele conseguia. 


Assim, a biografia de Plínio Marcos termina sendo, também, um livro de história do Brasil, de uma história muita vezes omitida: há muito sobre os bastidores da vida política, artística e jornalística do país nos anos da repressão. Anos em que artistas indignadas devolviam troféus, em que jornalistas tinham que entregar a própria cabeça se quisessem manter fidelidade aos princípios nos quais acreditavam. Um diálogo marcante reproduzido pelo livro se passa entre Victor Civita e Mino Carta:
-  você precisa demitir Plinio Marcos, já!
- Como?
- Demitir Plinio Marcos
- Por quê?
- A censura está para sair da Veja, a demissão de Plínio Marcos é o que falta para encerrar o assunto. 
- Seu Victor, assinamos o protocolo. 
- Que está dizendo?
- Até 1º de abril as coisas ficam como estão, depois faça o que bem entender, mas despeça a mim antes de Plínio Marcos. 
- Não, você demite.
- Demita o senhor, até logo e passar bem. 

A lucidez de Plinio Marcos é outro aspecto de destaque. Disse ele:
 “ O grande erro da esquerda brasileira foi pegar os seus melhores quadros e transformá-los em funcionários, em burocratas de partido. Tirou os artistas do convívio com as pessoas, e com os quadros sindicais foi a mesma coisa. Eles foram tirados das fábricas e passaram a ser vistos como figuras distantes. Passaram a ser “senhores fulano de tal”. 

Ah, e ele morreu em 1999, antes da era Lula, Genoíno, Dirceu e companhia Ltda. A propósito, no livro, José Dirceu aparece como líder estudantil. 

Eu poderia continuar citando trechos engraçados, interessantes, curiosos e preencher páginas e páginas com isso, mas a ideia é apenas dar uma noção geral do livro. Mas não posso deixar de mencionar o fato de que ele, apensar de extremamente perseguido, jamais se vestiu de vítima, não sucumbiu à auto-comiseração; ao contrário, ele afirmava que “fez por merecer” tudo o que passou: “Se eu dava pedrada, o que eu ia esperar? Que eles me mandasse, flores? Bateu, levou!"

Enfim,  Plínio Marcos encanta. Ao contrário de muitos artistas de hoje, ele não se permitia domar,  não fazia o menor esforço para se enquadrar, qualidade rara nos dias atuais, em que o discurso parece ser sempre o mesmo e em que a imagem de bom moço é de praxe.  Uma pessoa tremendamente humana e apaixonada, comprometida com sua própria essência.  
Em 1977 um estudante chegou até ele e perguntou:
- Você é o Plínio Marcos?
E ele respondeu:
- O tempo todo

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