sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Os akitas e o silêncio

" ainda ontem
convidei um amigo
     para ficar em silêncio
comigo
   ele veio
meio a esmo
     praticamente não disse nada

e ficou por isso mesmo"
(Leminski)

 Cachorro é assunto para iniciados. Quem nunca teve a alegria de chegar em casa e ser recebido com uma verdadeira festa (ainda que tenha saído só pra ir à padaria da esquina) não entende o motivo de tanto nhenhenhem com os bichinhos. 
Filhotes de akita
Com nhenhenhem", que fique bem claro, eu não quero falar de fazer aniversário de cachorro, encher o bicho de roupinhas, pulseiras e afins, que isso eu acho uma grande bobagem. Falo do nhenhenhem  emocional, da dor que a gente sente quando vai viajar e ficar longe deles, da loucura e da preocupação quando eles ficam doentinhos, enfim, do amor que eles são capazes de despertar e mais, da sensação que eles nos transmitem, contra toda a racionalidade possível, de que também nos amam. Clarice Lispector disse certa vez, sobre o seu cão Dilermando, que ela encontrou nas ruas de Nápoles:

"Nenhum ser humano me deu jamais a sensação de ser tão totalmente amada como fui amada sem restrições por esse cão” 
Imaginação? Carência afetiva? Ilusão?
Quem estuda o assunto diz que sim, que os cães podem ter certas emoções, mas não têm propriamente sentimentos, e que tudo não passa de projeção.
“Se alguém parar e olhar fundo para os olhos do seu cão em particular, poderá encontrar uma infinitude de sentimentos, mas que são seus, não do seu cão. Tendemos a ver nos cães o que precisamos ver e receber. São as nossas emoções e nossos sentimentos que estão ali depositados. (...) quando procuramos pelos olhos do nosso cão e conseguimos ver uma gama toda de sentimentos e sensações emocionais, é porque algo nos falta.  (Synara Rillo, no livro Cães, donos e dores humanas)
Nada mais lúcido e racional.
Mas...quem se importa? Algo sempre nos falta. A incompletude e a insatisfação fazem parte da nossa natureza. O contentamento é algo que se consegue com um longo trabalho espiritual e filosófico. No fundo somos uns bebês mal acostumados, ansiando por acolhimento, compreensão e amor. E os cães muitas vezes se encaixam com perfeição nessa necessidade, e então a simbiose é extraordinária. 
Pablo
Eu tenho dois akitas e minha mãe tem um poodle, de modo que posso conviver com dois tipos de cachorro bastante diferentes, pois o poodle, como todo cachorro de raça pequena, é agitadinho, fofíssimo e muito dependente. Já os akitas são mais quietos e arredios. Quando querem, são extremamente carinhosos, e é engraçado ver aquele bicho imenso, parecido com um lobo,  deitado no chão, com a barriga pra cima, mordiscando delicadamente o seu braço com aqueles dentões enormes, como se fosse um filhotinho. Mas às vezes ele é mais arredio e acontece até de você chegar perto, fazer um carinho, ele te olhar torto, levantar e ir pra outro lugar, ficar lá, sossegadão. Parece querer dizer que hoje não está pra muita conversa, quer ficar quieto, quer meditar!
Lolita
Na verdade, o akita é como aquele velho amigo, que pode chegar à sua casa para não dizer nem fazer nada, tal qual na poesia de Leminski, citada logo acima. Sabe quando você não quer falar, mas também não quer ficar só? Quando quer uma companhia silenciosa, que olhe nos seus olhos sem nada dizer e fique lá, ruminando e “pensando” na vida? Pois é, isso é possível com os akitas. Posso deitar no chão e ficar olhando o céu, apenas sentindo a minha respiração e ouvindo a deles.  Com quantos amigos você consegue fazer isso? Não muitos, certamente.  E às vezes, nessa loucura que é o cotidiano, o silêncio é mais importante do que a palavra. 


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