segunda-feira, 14 de março de 2011

In cold blood

Com febre, olhos lacrimejantes e um pouco de dor de cabeça terminei de ler, há pouco tempo, “A sangue frio”, de Truman Capote.

Tudo começou quando exercitava meus dedos no controle remoto à procura de algo para ver na televisão.  Senti uma espécie de atração pela estética de um filme que passava no canal 06, e comecei a assistir. Fui gostando, e vi até o final. Devo ter começado mais ou menos na metade do filme, que se chamava  “Capote”, e abordava o período em que o escritor pesquisou, preparou e finalmente redigiu sua grande obra:  “A sangue frio”.  Quando o filme acabou, a primeira coisa que pensei foi: PRECISO ler esse livro. 

Não foi tão fácil assim, pois aqui em Natal as livrarias são pequenas e dão preferência aos best sellers do momento.  Na minha primeira incursão encontrei somente um livro de ensaios, mas estava tão ávida pelo escritor que comprei e comecei a ler. E a me apaixonar.  Capote escreve com muito refinamento; é um texto tão elegante que me causou uma inveja danada, e só aumentou minha inquietação para continuar procurando “A sangue frio”, até que finalmente consegui, e levei pra casa com a alegria de uma criança que ganhou brinquedo novo. 

O livro trata do assassinato da família Clutter, no ano de 1959, numa pequena cidade do Kansas.  O Sr. Clutter era um próspero produtor rural. A Sra. Clutter era a esposa que sofria aparentemente de depressão, mas tinha quatro filhos exemplares, sendo que dois deles, Nancy  e Kenyon, moravam com os pais.  Família religiosa e querida na região, especialmente Nancy, a jovem que gostava de participar ativamente da comunidade. Uma família americana bem típica, quase que um estereótipo. E os quatro foram assassinados misteriosamente numa noite de sábado, a tiros, sendo que o Sr. Clutter teve também  a garganta cortada. 

Capote passou cerca de cinco anos colhendo dados, conversando com os envolvidos, inclusive e especialmente com os assassinos. E ao final fez um relato minucioso de todo o processo, dos dias que antecederam o assassinato, da personalidade dos membros da família morta e principalmente dos assassinos, em relação aos quais traçou complexos perfis.  Com esse livro ele próprio dizia ter criado um novo gênero, o do jornalismo literário, afirmação cuja veracidade, todavia, é bastante contestada. 

Na minha modesta opinião de leitora, mesmo não tendo inaugurado um novo gênero, o livro alcança diversas façanhas. Em primeiro lugar, ele consegue criar uma atmosfera de angústia e suspense com uma história que você já conhece. Sim, eu sabia que os Clutter iam morrer;  sabia  que os assassinos seriam descobertos, presos e enforcados, mas ainda assim  me senti com quinze anos de idade, lendo um dos livros de Agatha Christie e morrendo de “nervoso”.  Além disso, ele pegou uma história que, lamentavelmente, pode ser considerada banal (um crime sangrento ocorrido numa cidade perdida no interior dos Estados Unidos) e transformou no relato universal sobre os abismos da mente humana, ao traçar o perfil dos criminosos, ao esmiuçar a infância, as dores, aspirações, impressões e traumas dos homens que mataram um casal e seus dois filhos.  

“Eu não queria fazer mal àquele homem. Achei que era um senhor simpático. Que falava manso. E era assim que eu pensava até a hora em que cortei o pescoço dele.”
Perry Smith

Isso foi o que disse Perry Smith, um dos assassinos, com o qual Capote desenvolveu uma estranha relação. Há inclusive a impressão – denunciada por alguns opositores do escritor – de que ele dá a Smith um perfil que, embora não seja exatamente benéfico, é capaz de inspirar alguma compaixão no leitor. 
Controvérsias à parte, o fato é que o livro é de gelar, ou, quem sabe, de causar ou aumentar uma febre como a que estou sentindo agora, e que ao invés de me fazer parar a leitura, parece tê-la impulsionado. Quando leio um bom livro fico chata – procuro escapar a todo o momento para ir ler, ou então fico comentando sobre trechos do livro o tempo inteiro, e enquanto não termino fico imersa naquelas passagens, naquele ambiente, como se tivesse feito parte da história.  Depois PRECISO contar para alguém sobre o que li, ou então tenho que no mínimo emprestar o livro para que outra pessoa leia, do contrário a febre, ainda que não chegue a se manifestar no corpo, no plano físico, toma a minha mente e não  vai embora. 

Agora, depois de terminar o livro, comentá-lo neste blog  e tomar meu antialérgico,  deixo aqui a febre. Mas a lembrança dos momentos mais sinistros do livro vão continuar ardendo por um tempinho. 

PS: coloquei o título original do livro - In cold blood- porque em inglês acho mais estiloso. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Putz, fico como você, quando estou envolvida com um livro, também. Mesmo que não seja a primeira vez que o leio!