sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Joana e o pescador

 Os coqueiros se sucediam, e o pano de fundo era o mar. Da janela do carro, qualquer pessoa que não morasse em cidade litorânea olharia aquele mar. Mas não Joana. Não naquele estado em que se encontrava. Fora tomada. Tomada por um turbilhão de pensamentos, de suposições, de ...de desejo? Não, de desejo não. Não podia ser desejo. Desejo, tesão, não era assim que se sentia. Foi só a surpresa de conhecer uma pessoa diferente das outras com as quais convivia. Uma pessoa com um sorriso tão diferente...ninguém tem tesão por sorriso. Pode haver tesão por um corpo, por uma carícia, mas onde já se viu ter tesão por um sorriso? Como era mesmo aquela música?...ah, lembrou: “sorriso ingênuo e franco de um rapaz moço encantado com vinte anos de amor”. Esse era o sorriso dele.  Teria ele só vinte anos? Talvez vinte e dois, vinte e três no máximo. Ainda por cima isso. Ora, de vinte e oito para vinte e três, cinco anos a menos, é uma diferença considerável para uma mulher namorar um homem. Ah, mas que falta de noção,  quem falou em namorar? Como é que ia catar um pescador do Riacho Doce, periferia de Maceió, e namorar? Trocar um noivo advogado por um pescador!?! Mesmo que cometesse essa insanidade, jamais teria coragem de apresentá-lo às amigas. Tudo bem que elas iriam enlouquecer por aqueles olhos e aqueles músculos, mas certamente diriam que ele só servia para diversão. E pior: o que ela, Joana, iria conversar com o pescador? Sobre quais assuntos discutiriam? Como iria dizer a ele que gosta de Drummond, de Chico Buarque e de cinema francês?  Joana sabia que não existe isso de amor à primeira vista; para existir amor tem que haver afinidade. A coleção de CD´s e de livros tem que combinar. Bom, ao menos era isso que pensava até conhecer o maldito pescador. Mas será que existe neste mundo  um amor puro, desvinculado das afinidades, das condições econômicas, culturais? Existirá um amor dado, pronto? Amor é algo que se sente, ou se constrói, se inventa? Drummond encerra um de seus poemas assim: “a vida, apenas, sem mistificação”. Existirá em algum lugar um amor sem mistificação? E amor precisa ter continuação? Ai, que bobagem, pensou Joana, quantas bobagens cabem nesse percurso até o hotel? Se não tem continuação não é amor, é paixão ou só tesão. Mas peraí. Por que o “só”? Quem inventou essa gradação, dizendo que tesão é o nível mais baixo, depois vem a paixão e por fim, no mais alto degrau, o amor? Quem criou esses conceitos? 
É melhor deixar de devaneios. É preciso ser prática:  esquecer isso de uma vez. Esquecer o sorriso, os braços...braços forjados no trabalho, no remo, são tão diferentes de braços moldados em academia...por que será? 
Joana, decididamente, é melhor você se concentrar em outras coisas. A viagem de volta, por exemplo.  Amanhã, às sete da manhã já deverá estar no aeroporto. É bom combinar com o taxista para vir pegá-la às seis. E então, São Paulo, apartamento, escritório, noivo. À noite irão  sair para jantar, depois dançar, depois...
O solavanco do carro interrompeu os pensamentos. Olhou de lado e viu que a paisagem fora substituída pela portaria do hotel. Joana falou ao taxista, num fluxo só:
- Então o senhor me pega aqui amanhã às seis em ponto. Quero chegar cedinho na praia do Riacho Doce. 


(pequena história imaginada quando o guia turístico em Maceió falava sobre o livro Riacho Doce, de José Lins do Rego – que não li – e da minissérie Riacho Doce – que não assisti. A frase em negrito foi roubada de um amigo!)


Nenhum comentário: