sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A falta que ela nos faz

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman tem uma séria de livros abordando o que ele chama de “liquidez” do mundo moderno: “Modernidade líquida”, “Tempos líquidos”, “Vida líquida”, “Medo líquido” e “Amor líquido”.
Líquido, todos sabem, é algo que escapa entre os dedos, que flui, escorrega, não se firma, não tem solidez. De todos os livros, li apenas “Amor líquido”. Mas, com a pretensão peculiar a uma nativa do signo de leão, vou falar sobre o que decidi chamar de elegância líquida. 
A idéia de liquidez do amor foi construída pelo sociólogo com base na análise das relações atuais, de modo que a liquidez, em princípio, não seria uma característica imanente. Já quanto à elegância, eu diria que ela, por sua própria natureza, já é um tanto líquida. Afinal de contas, quem é elegante? Quem usa bolsa Prada? Quem veste Coco Chanel? Quem usa sapatos Louboutin? Quem sabe manejar diferentes talheres  à mesa? A elegância é um jeito de ser, ou um estar? Alguém pode estar elegante hoje, e amanhã não?  Para ser elegante tem que ser inteligente? Elegância se constrói ou, como dizem alguns, vem “do berço”? 
Trata-se de um conceito bastante fluido.  Uma das definições mais interessantes que já encontrei foi no dicionário on line priberam:
1. Gosto delicado no trajar, no falar, no adorno da casa, etc.
2. Graça, airosidade, delicadeza e distinção aliada à simplicidade e clareza.
Vê-se, portanto, que ela não se define por um único critério. Eu que o diga. Já fui empurrada e ignorada por senhoras que tinham cada peça do vestuário de uma marca famosa diferente; já as vi falando em um tom excessivamente alto e ignorando outras pessoas. E já conversei com serventes de pedreiro que demonstraram uma delicadeza ímpar. Mas é claro que também já encontrei senhoras e senhores vestidos com perfeição, e com a graça, a delicadeza e a distinção mencionados no dicionário. Não estou querendo dizer que ter dinheiro já exclui a elegância; digo apenas que não é fator determinante. Do mesmo modo a questão da formação escolar. Convivo com pessoas que não sabem ler, com outras que têm curso superior, outras ainda com pós-graduação. E não é possível estabelecer, de antemão, quem é elegante e quem não é. 
Acredito que se trata de uma característica até certo ponto inata, ou melhor, alcançada por alguns com naturalidade e facilidade. Mas é, também, algo que se pode trabalhar. Semana passada li uma entrevista com a escritora Patrícia Melo, que gosta de inserir nos seus livros reflexões sobre a maldade, e ela disse que a maldade é inerente ao homem, e que ser bom é um exercício, é algo que se conquista. Creio que também a elegância é algo que se conquista. Um dos seus componentes, a simplicidade,  por incrível que pareça, é algo muito difícil de alcançar (Clarice Lispector já disse: “Que ninguém se engane, só consigo a simplicidade através de muito trabalho”). A distinção e a clareza também. Se fizermos uma operação matemática podemos ter, se não uma definição, um outro conceito que em muito se aproxima do conceito de elegância. Somando delicadeza com simplicidade e clareza, podemos obter como resultado...a educação. Elegância é algo muito ligado à educação. Não educação como um saber formal, mas como o saber tratar o outro, saber dizer “obrigada”, “com licença”, "por favor", “posso?”, “pois não”. 
Na realidade, toda essa divagação a propósito da elegância começou quando eu estava caminhando  na rua, voltando da minha aulinha de Yoga, e fui parada por uma senhora que vinha num daqueles carros enormes, tão comuns  em Natal. Não entendo muito de carro, mas é impossível não perceber o quanto as pessoas aqui usam uns veículos grandes e chamativos. Como foi dito pelo antropólogo Roberto Damatta, no Brasil, você se sente superior ao pedestre porque tem um carro. E se esse carro é grande e potente, então você é o rei.  Então essa senhora me parou para pedir uma informação. Eu estava de tênis, visivelmente vinha de alguma academia ou estava praticando exercício ali mesmo, na rua, e quem vem nesse ritmo não gosta muito de parar. Mas parei. Ela queria saber o endereço de um buffet, que ficava naquela rua. Eu disse que não sabia, mas que deveria ser dali para a frente, porque mais atrás eu assegurava que não existia nenhum.  Ia complementar que poderia ser numa casa dois quarteirões adiante, mas fui cortada por ela própria, que disse um impaciente “ta, tá”, e arrancou.  Será que atraio gente grossa, ou será que é porque eles estão dominando o mundo, em especial esta minha pequena aldeia? Também, quem mandou? Quem mandou ser uma reles e invisível  pedestre? 
E Natal é pródiga em gente assim.  Felizmente escapam algumas pessoas, que sabem ser elegantes,  e viva todas elas, que fazem desta cidade um lugar suportável. 
Termino este texto/devaneio/desabafo cometendo, eu mesma, um ato de profunda deselegância com o maestro Tom Jobim, deturpando a letra de uma música dele para mandar um recado telepático para a motorista nervosinha que me abordou e  que certamente jamais irá ler este texto: “se todos fossem iguais a você...que merda viver!!!”

4 comentários:

A.M.A disse...

Elegância MUITO, MUITO LÍQUIDA!

Fato.

Pena que provavelmente a tal senhora não lerá o texto. Porem (certamente), outras tantas pessoas (como a tal) terão acesso e ,em sendo assim, seu post servirá de "arrimo social".

EXCELENTE ADMOESTAÇÃO!!!!

bom final de semana

A.M.A disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

"... que merda viver..." concordo!

Anônimo disse...

"... que merda viver..." concordo!