terça-feira, 12 de outubro de 2010

Um coração antes cheio de amor, hoje deserto (ou, menos poeticamente falando, por que, apesar de tudo, vou votar em Dilma).

Não, eu não esqueci dos escândalos do mensalão, Renan Calheiros etc, para citar dois dos mais recentes. Mas também lembro do Proer, do caixa 02 para reeleição de Fernando Henrique, da Sudene e de tantos outros escândalos da era FHC. Lembro ainda que nessa época  tive dengue. 
Uma das grandes diferenças é que o PSDB contava com Geraldo Brindeiro e depois com Gilmar Mendes, que ganharam o curioso apelido de “engavetadores-gerais” da república; ao contrário do que ocorre hoje, naquele período todas as falcatruas eram abafadas. Além disso, os tucanos sempre contaram com uma mídia bastante favorável, desde a TV até uma revista “clássica” e conhecida inclusive por muitos brasileiros que não sabem ler. Vale lembrar também que quando FHC assumiu a presidência, em 1995, foi logo extinguindo, por prevenção, a  Comissão Especial de Investigação, instituída na época de Itamar Franco e que tinha como objetivo combater a corrupção.
Isso não justifica os desmandos do PT, mas mostra que a realidade não é tão simples, e não dá mais para separar sonhadoramente os bandidos dos mocinhos; a corrupção não foi criação do PT. O impacto de tudo que acontece é maior quando se trata do PT porque esse foi um partido que durante anos se arvorou no papel de defensor absoluto da ética, discurso que se revelou totalmente furado. Fui uma utópica defensora do PT durante alguns anos; hoje não o defendo mais com a confiança de antes, mas vejo que é preciso adotar uma espécie de política de redução de danos: entre o projeto político do PT e de Dilma e o do PSDB e Serra, qual devo escolher? Em qual deles posso acreditar ao menos um pouco?
Não é tarefa fácil. Dilma é antipática e sua candidatura no início me pareceu um tanto forçada. Já que Palocci, Dirceu e companhia ltda estavam queimados, era preciso encontrar um nome ainda intacto, e Dilma foi a saída pela tangente. Também não aprecio o vice, senhor Michel Temer, do PMDB, que na verdade já foi um grande articulador da campanha de FHC. Opa, mas como assim? Assim mesmo. Ele era do lado de lá. Pra mim, a escolha de Michel Temer foi uma costura política muito mal feita. Lula também não é mais “o cara”. Não o perdôo pela omissão, pelo sorriso ao lado de Renan Calheiros, pela defesa de Sarney, dentre tantas outras coisas. 
Mas, apesar de tudo isso, decidi votar em Dilma neste segundo turno. 
Porque Serra, com sua cruzada religiosa e familiar, não dá. Isso é baixaria e é chamar o eleitor de idiota. Porque, falando em vice, Serra tampouco se sai melhor (quem era mesmo Índio da Costa? Eu não conhecia, nunca tinha ouvido falar. É um rapazinho falante e conservador, que acha totalmente sem noção comparar a inocente “cervejinha”, que mata milhões ao volante, com outras drogas. Que adoraria chegar aos locais prendendo todo mundo). Porque Serrinha não é tão ficha limpa assim. Ele foi condenado por improbidade administrativa, mas seu amigo Gilmar Mendes (sempre ele) conseguiu arquivar o processo. Exatamente a mesma coisa que aconteceu com outro ex-ministro de FHC, Ronaldo Sardenberg. Porque Serra tem consciência de que o governo do PSDB foi ruim para o país, tanto que buscou durante a campanha dar a idéia de continuidade e silenciou sobre os “grandes feitos” de Fernando Henrique. Porque o governo dos tucanos é bastante favorável às privatizações. Porque FHC quis acabar com as escolas técnicas (e Serra, agora, em seu programa de campanha, incluiu a ampliação dessas escolas). Porque os tucanos sonhavam extinguir a justiça do trabalho (e com isso institucionalizar a servidão). Porque na era FHC grassou a flexibilização das relações de trabalho, nome bonito e “cool” para o que eu chamo de precarização. Porque Serra não convence quando fala em diminuir a terceirização (afirmação dele no último debate, na Band). Porque no governo FHC muitas causas sociais foram tratadas como questão de polícia, bem ao gosto do Sr. Índio da Costa.  
É engraçado como partidários de Serra desqualificam o voto de pessoas que moram no nordeste e ganham o bolsa-familia, quando o próprio Serra é favorável em suas propostas à continuação do que se chama jocosamente de “bolsa-esmola”. Aliás, Serra reivindica a paternidade do benefício para o governo FHC. Quanto ao governo Lula, que Dilma promete continuar, os avanços sociais são inegáveis. Veja-se o que diz Ivo Patarra, no livro "O chefe" em que espinafra Lula e conta detalhes do mensalão:
Da mesma forma que não se pode deixar de reconhecer os avanços das políticas sociais responsáveis por tirar milhões de brasileiros da pobreza nos dois governos do presidente Lula, não há como minimizar o expressivo crescimento econômico e o incremento da inserção do Brasil no cenário mundial, também registrados no período.
Isso foi dito por um oposicionista ferrenho, um anti-Lula! 
Serra, no debate da Band, mencionou a queda de 70% dos índices de homicídio em São Paulo, mas esqueceu de dizer que isso se deve em grande parte à geração de empregos e à redução do fluxo migratório, o nosso velho e conhecido "êxodo rural”. São Paulo, tradicional destino dos nordestinos sem esperança, não é mais a mesma, já não atrai tanto assim. A violência nas capitais se reduziu porque agora há perspectivas no interior. 
Eu lamento bastante que o PT tenha destruído meus sonhos utópicos; já viajei quase 600 km para votar em Lula, vestida de vermelho, carregando uma mala vermelha e um coração cheio de amor. Hoje não faria isso, não faria esse sacrifício pra votar em Dilma. O coração está deserto. Mas o cérebro precisa funcionar. Como toda brasileira, tenho, sim, memória curta, por isso há dias ando pesquisando, lendo, prestando atenção, relembrando. E criando forças para finalmente poder dizer em alto e bom som: vou votar em Dilma. 
E afinal de contas vamos combinar: Dilma é antipática, mas Serra é um chato. Foi ele quem sancionou a lei anti fumo em São Paulo, que proíbe o cidadão de fumar em qualquer ambiente fechado e estimula o denuncismo. Isso me lembra situações que não vivi, mas sobre as quais li bastante. A  sentença do Juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, que chegou a suspender os efeitos dessa lei, fala um pouco sobre isso:
"...Ressuscita-se a figura do “guarda de quarteirão”, característica dos regimes totalitários e de triste memória para a maioria de nós: sob invocação dessa famigerada lei, em todos os lugares (inclusive áreas de condomínio e sanitários) se encontram afixadas placas enormes não apenas informando a proibição, mas estimulando o denuncismo por telefonema gratuito; todas as pessoas, “amigos” e inimigos, sentem-se guardiães da moralidade e no dever de denunciar o fumante; as que detêm algum poder “ampliam” a restrição, a seu bel prazer, “por conta da lei”."
Como alguém com esse nível de conservadorismo, com posições falsamente religiosas sobre aborto, pode tratar abertamente de um dos mais sérios problemas de saúde pública do país, que é o uso de drogas, em especial o crack?
Não ao conservadorismo, à cruzada pseudo-religiosa, ao engavetamento, à precarização das relações de trabalho. Sim à esperança, um tanto estraçalhada, porém ainda existente, de um país mais  justo. 



PS: título inspirado em Fagner e Zeca Baleiro: "Meu coração vive cheio de amor e deserto..."

2 comentários:

Anônimo disse...

Cada um vota em quem bem entende....

Anônimo disse...

Te indiquei pra uma corrente lá no blog. dá um pulinho lá!