terça-feira, 21 de setembro de 2010

A dolorosa poesia cubana

Já revelei minha atração por Cuba no texto sobre os dois Pablos da minha vida. Eu tinha a impressão de que o regime era algo defendido pelos cubanos, exceto por uns poucos insatisfeitos oposicionistas. Não havia entrevista ou relato de Yoani Sanchez que me fizesse mudar de idéia. Eu tinha argumentos para rebater os dela, e pra mim ela era apenas uma revoltadinha. Eu achava que uma das maiores conquistas do povo cubano era a resistência ao apelo exacerbado do consumismo, a fidelidade aos valores, a persistência da ideologia. 
Até que li “Viagem ao crepúsculo”, de Samarone Lima. Não, não é um livro sobre vampiros. É o relato em primeira pessoa de uma viagem que ele fez a Cuba. Ele não foi para a Havana dos belos hotéis, do rum de primeira qualidade, da boa música. Não foi para a Havana dos turistas. Ficou hospedado clandestinamente na casa de cubanos, circulou pelo país integrado ao cotidiano deles. E o que mostrou através do livro  foi a mais pura revolta dos cubanos. Revolta por faltarem alimentos, por faltar qualquer mínimo conforto, faltar a tão falada saúde, a educação e, sobretudo, por faltar a liberdade. O livro conta a história de um povo que está farto, que não agüenta mais. O tratamento dispensado na ilha aos estrangeiros – turistas – é totalmente diferente daquele dispensado aos cubanos, que muitas vezes sequer podem entrar em hotéis e outros lugares reservados, que compõem uma espécie de zona proibida. Há duas moedas, o peso cubano e o peso “convertible” ou CUC, que vale muito mais do que o primeiro. Um dos cubanos que o autor conheceu  resume a história sobre a convivência entre as duas moedas assim: Há coisas em Cuba que não se explicam. São coisas que só acontecem aqui, é o que sobrou do que eles chamam de revolução. Além disso, o livro mostra a corrupção, o drible às cotas e às normas em geral quando se tem algum dinheiro.
Pois bem. Esse livro plantou em mim a semente da desilusão. Recentemente li uma bela crônica de outro escritor, retratando situações análogas. Mas nada me pesou tanto quanto um livro de poesia cubana que comecei a ler hoje. Os relatos são pungentes. O que vi nas poesias foi algo parecido com um cansaço, um cansaço extremo, e uma melancolia sem fim. Morte, brutalidade, desassossego, às vezes ironia, lamentações. Por isso criei um tópico só para essas poesias, pois à medida do possível quero transcrever as minhas preferidas.
Começo com uma de Reinaldo Arenas. Consta no perfil do autor que ele foi rotulado de “contra-revolucionário”, tendo início uma perseguição implacável, em razão da sua oposição ao regime e também pelo fato de ser homossexual. Esteve preso, mas conseguiu asilo nos EUA. Morreu em 1990. 

QUANDO LHE DISSERAM

      Quando lhe disseram que estava vigiado
que à noite quando ele saía
alguém com uma chave-mestra entrava na habitação
e remexia nos frascos de aspirina
e nos consabidos, indiferentes, livros;
      quando lhe disseram que dezenas de polícias
em sua honra se afadigavam,
que tinham conseguido subornar os seus familiares mais
       chegados,
que os seus amigos íntimos
ocultavam atrás dos testículos pequenos livretes
onde anotavam os seus silêncios e vírgulas,
                                                         não sentiu medo,
mas sim uma certa sensação de enfado
que instantaneamente soube controlar:
Não vão conseguir, prometeu a si mesmo, que me considere 
       importante.

Um comentário:

Anônimo disse...

PARECE QUE TUDO DEPENDE DE PONSTOS DE VISTA E PRE DISPOSIÇÃO PARA CERTAS VERDADES: TAMBÉM FIZ (VÁRIAS) VIAGENS A CUBA, SEMELHANTES A DE SAMARONE LIMA e, PREDOMINANTEMENTE VI ALEGRIA DE VIVER, BOA EDUCAÇÃO, HOSPITAIS LIMPOS E EQUIPADOS, CASAS POBRES COM COMIDA NAS MESAS... E GENTE DEFENDENDO DE TODAS AS MANEIRAS O REGIME QUE NÓS, INVEJOSOS ESTRANGEIROS, TANTO DETRATAMOS.
marcos marinho - de juiz de fora