terça-feira, 20 de julho de 2010

Notas sobre o desamparo: Deus, fé e religiosidade nas músicas profanas (parte I)

Não a música dos “padres cantores”; nem mesmo a do padre Zezinho, por quem tenho admiração. A idéia é falar do deus presente nas letras de Gilberto Gil, Chico Buarque, Chico César e até mesmo Cazuza e Renato Russo, dentre outros. O deus da dúvida, da contradição, o Deus imenso em contraposição ao limitado sentimento humano (muito humano).
Trata-se de uma idéia sem nenhuma pretensão, fruto do ócio de alguns anos atrás (bons anos), com a intenção de refletir sobre o deus imaginado por esses compositores. A primeira música escolhida é bastante óbvia: Se eu quiser falar com Deus, de Gil.
Ele começa mencionando a necessidade de uma  preparação para esse encontro, que deve ser um momento íntimo:
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós,
Tenho que apagar a luz,
Tenho que calar a voz,
Tenho que encontrar a paz
Não se busca Deus para ter paz, e sim encontra-se a paz para poder ganhar uma “audiência” com ele. 
Logo na segunda estrofe vêm as diversas referências às idéias católicas de pecado, imperfeição e até mesmo humilhação. O homem é pequeno e vil diante de Deus, e para se aproximar dele precisa passar por diversas provações :
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor,
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou.
Tenho que virar um cão,
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho,
Tenho que me ver tristonho,
Tenho que me achar medonho
No final, a idéia do desamparo, da incerteza, da imensidão do que se pretendeu em vão compreender. Para falar com deus, é  preciso se aventurar, subir aos céus sem uma corda pra segurar, em busca de uma estrada...que ao findar vai dar em nada, nada..do que ele pensava encontrar. 
Essa música me dá a impressão de que, para Gil, Deus não cabe no nosso pensamento nem nas nossas perspectivas...Falar com Ele implica a opção consciente pelo risco, pela possibilidade do encontro com o inesperado, que está, para o bem ou para o mal, totalmente além de qualquer expectativa humana. No vídeo a seguir ele próprio  canta sua música. Atenção para o apresentador declamando, próximo do final, um texto de Guimarães Rosa:




Para finalizar essa primeira parte, trago a versão de Chico Buarque para Gesù Bambino, de Lucio Dalla. Não é uma música que fale explicitamente de Deus. Ela apresenta o destino irônico do personagem  nascido de um relacionamento passageiro entre um provável marinheiro e uma mulher que se entregou a ele com paixão. A criança  era venerada pela mãe e acalentada com cantigas de cabarés; por ironia e por amor, ganhou o nome do "menino Jesus":
Minha mãe não tardou a alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor

Nessa música fica patente a ironia da vida, da fé, e também o próprio desamparo do homem frente ao seu destino:
Minha história é esse nome que ainda hoje carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de Menino Jesus

Na voz de Maria Bethânia:



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