domingo, 27 de junho de 2010

Encontro (à moda de Julio Cortazar)


Meus olhos são armadeiras que lançam uma teia sobre você e te forçam a deitar, aprisionada. Me aproximo e dou início ao ritual. Percorro o seu corpo, como um lápis traça as linhas de um desenho para que ele possa existir.  Primeiro os pés, muito brancos.  Com um pincel imaginário, realço o vermelho sangue de suas unhas, enquanto você me olha, entre divertida e curiosa (assustada?).  Depois acompanho as curvas das suas pernas lisas e longas, que me conduzem às coxas. Coxas com curvas bailairinas, que dão voltas suaves, quase etéreas, que me deixam tonto quando desembocam na fina cintura.  Circundo a cintura, brinco de girar um cinto de rosas, as pétalas vermelhas numa guerra mortal com a alvura da sua pele. Com os dedos faço um “x”  invisível no seu ventre, e minha mão sobe delicada e quase imperceptivelmente. 
E sigo, porque minha missão é te finalizar, e encontro os teus seios,  redondos, pequenos, quase tímidos. O belo desenho pede um beijo, que pinta de rosa os mamilos.  Subo pelo pescoço, de lá vejo a linha do queixo, suave. Os cachos negros emolduram o rosto. Faço a tua boca rosada, um pouco trêmula.  Sobrancelhas espessas, testa delicada, pequeno nariz. Não esqueço nenhum detalhe. Por fim, os olhos. Eu os quero negros, grandes. E pinto neles uma sombra, um medo, uma súplica, um amor hesitante. Aí meus olhos penetram nos seus, e vão corroendo, dissolvendo a sua córnea, e é como se os meus fossem os raios de sol direcionados firmemente por uma lupa para uma frágil folha de papel em branco, que não resiste e se queima. E quando você já não pode ver mais nada, eu lentamente me levanto, aprecio, de longe, o belo quadro e, sem uma palavra, vou embora. 

Nenhum comentário: