quarta-feira, 9 de junho de 2010

Viva como se ninguém estivesse olhando


Pode começar dançando. Não vale treinar em frente ao espelho. Não vale, na hora “H”, disfarçar e tentar ver se tem alguém prestando atenção, achando bonito, sexy, ou destrambelhado. Atenção: não vale encher a cara e se esborrachar numa pista de micareta. Tem que ser um ato consciente. Mas fica permitido tomar uma caipirinha ou uma taça de vinho pra dar aquele barato básico na cabeça. Tem que ser divertido, e vale o alerta: por incrível que pareça, divertir-se de verdade não é tão fácil assim. 

Desde criança você é olhado e premiado pelo bom comportamento. Se age “mal”, pode até ser comparado com irmãos ou outras crianças, suprema maldade. Cresce. Agora os amigos estão de olho. Se você é diferente, se não tem os mesmos gostos da turma, é sumariamente excluído. O tempo passa. Você vira adulto e agora o grande irmão é uma verdadeira legião: todo mundo quer saber com quem você se deita (a vida é tão estreita!), quem são seus amigos e se você por acaso vai se transformar numa pessoa de sucesso, respeitável. As reportagens, pesquisas e programas de TV dizem como se comportar e se vestir numa entrevista de emprego. Então você consegue o bendito emprego e se torna essa pessoa respeitável.  No trabalho, os colegas e chefes observam. Revistas de moda dizem qual o "must have" da estação. Livros ensinam o que fazer para não ficar só ou, se não está só,  para garantir a permanência da companhia (de preferência enlouquecendo o(a) parceiro(a) na cama). Revistas e TV mostram como é esticado o rosto das pessoas bem sucedidas, como é branco o sorriso, e também ensinam o que fazer para ter aquele rosto e aquele sorriso. As rádios e os programas de auditório tocam os sucessos do momento, os quais são também executados exaustivamente em bares, botecos, supermercados e no meio da rua, nos sons altos dos carros. Você não tem pra onde ir. E chega uma hora em que você já não sabe mais se o que experimenta diariamente é a sua própria vida  ou se apenas desempenha o papel que lhe foi traçado. 

Para recuperar essa autenticidade perdida, tem que respirar fundo e questionar bastante. Duvidar, mudar de idéia, ter ataques de raiva e de alegria, dar um jeito de sair mais cedo do trabalho, tomar um banho de mar às 06:00 da manhã ou parar tudo o que estiver fazendo e sair para fumar (mesmo que você não fume, o que, aliás, é melhor pra saúde, mas é interessante respirar um ar livre e ficar com aquele jeito pensador do fumante enquanto saboreia o cigarro). Mas uma das melhores coisas, definitivamente,  é dançar. Como se ninguém estivesse olhando. Não é fácil. Lembro de ter feito isso pela última vez há uns dois anos. Felizmente o impulso está vivo; com tralhas, obrigações, pressões e exigências por cima, mas lá embaixo eu respiro. E afinal de contas, por mais piegas que pareça a comparação, viver é como dançar. Cabe a cada um estar consciente, prestar atenção na música, mas encontrar, dentro dela, a melodia que vai determinar seu ritmo essencial e particular.


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