sábado, 12 de junho de 2010

Minha livraria ideal

Pode ter livro de vampiro, eu não me importo. Até li um há poucos dias, que me foi emprestado por um rapazinho, e me diverti bastante. Mas Fabio de Melo (o padre) é demais pra mim. Auto-ajuda, nem pensar. Eu deixo entrar Paulo Coelho (confesso: na adolescência li "O Alquimista" e gostei. Não vou cuspir no pratinho em que comi).  Sidney Sheldon, alguém ainda lê? Por consideração ele também pode entrar, pois há milênios eu li com muito gosto “Se houver amanhã”. Mas um exemplar de cada, todos juntos numa prateleira só, pelarmodedeus não me vai misturar nenhum desses com Hesse ou Garcia Márquez. 

Livros de direito, medicina, engenharia e afins, por favor, passem longe. Mas psicologia não pode faltar, como também filosofia. 

A arrumação tem que seguir critérios diferentes e sempre mutáveis.  Compreendo que a ordem alfabética facilita na hora de procurar um autor numa livraria normal, mas essa é especial. Aqui os vendedores são apaixonados por literatura e sabem onde achar cada livro, e mais: são ótimos de papo. Um diálogo comum na minha livraria ideal, entre um cliente e um vendedor:

- estou querendo ler a biografia de Clarice Lispector, escrita por Benjamim Moser, mas estou em dúvida...você sabe se o livro é bom?

- ah, tá brincando. É mais do que bom, é apaixonante. Moser fez uma pesquisa que durou oito anos, foi bater na Ucrânia, e além disso é um estudioso da obra de Clarice, então o tempo todo ele faz correlações entre a vida e a obra da escritora, fala muito sobre suas influências literárias e filosóficas, além disso existem trechos emocionantes da correspondência dela com outros escritores... ela trocou cartas lindas com Fernando Sabino, você precisa ver. Li em dois dias, freneticamente, e recomendo bastante!

- puxa, que bom. Vou levar, então! Onde é que tá o livro?

- na segunda prateleira do lado esquerdo. Começando por Spinoza, segue uma linha reta e perto de Virginia Wolf, logo depois do “Lobo da Estepe”, de Hesse, você  vai dar em Clarice.  A biografia está amparada no “Encontro Marcado” de Fernando Sabino...

- Valeu...

Então...a arrumação dos livros é temática e baseada em correlações misteriosas, cabendo ao freqüentador e leitor descobrir quais são e até mesmo sugerir outras novas.  Por exemplo, Thiago de Mello fica ao lado de Cora Coralina; logo depois vem Adélia Prado e em seguida Hilda Hilst. Paulo Leminski obrigatoriamente tem que estar ao lado de Alice Ruiz, sua eterna esposa e parceira poética, como também de Torquato Neto e Ana Cristina César.  Sartre perto de Simone de Beauvoir, naturalmente.  É justo que  Jorge Luis Borges fique ao lado dos três volumes do Livro das Mil e Uma Noites, pois ele adorava essas histórias. Junto de Borges, do outro lado, tem que estar Garcia Márquez, o Gabo. Depois vem Julio Cortazar, numa linha de “latinidade” e estilo. Muito cuidado: jamais deixar Gabriel perto de Vargas Llosa, senão no dia seguinte a livraria pode acordar uma bagunça, uma quebradeira só, se Garcia Márquez resolver vingar o soco que recebeu de Llosa em 1976.

E assim eu passaria tardes inteiras, só olhando as prateleiras, imaginando as conexões e discutindo com o vendedor:

- Mark Twain não tem nada a ver com Albert Camus, separa esses dois...

- Bom, considerando "Tom Sawyer" você tem razão, eles são totalmente diferentes, mas lembre daquele livro dele, “O estranho misterioso”...nesse ele pega pesado em questões existenciais!

- ah, é verdade, eu tinha esquecido. Esse realmente se aproxima do Camus. Olha, vou dar uma sugestão: eu colocaria Leminski e Clarice não na mesma linha, mas unidos, assim, por uma linha diagonal, meio torta, sabe? 

- Clarice e Leminski? Essa é nova pra mim, eu não vejo relação entre os dois...

- ah, mas tem. Só que é assunto pra outra conversa, porque agora eu tô de saída. Mas só uma coisa, sem querer pentelhar mas já pentelhando: fora o fato de que são dois velhinhos narigudos e poetas excepcionais, não tem muito a ver Mario Quintana junto de João Cabral. Não dá pé, viu?


Nenhum comentário: