segunda-feira, 16 de agosto de 2010

No tempo da delicadeza

(onde não diremos nada, nada aconteceu.
Apenas seguirei, como encantado ao lado teu).

Octavio Paz, pensador e escritor mexicano, no livro "O labirinto da solidão", diz que a experiência autêntica do amor é algo muito raro na nossa sociedade, praticamente inacessível, porque colocamos diversas balizas no sentimento. Em primeiro lugar, as nossas escolhas são todas baseadas em critérios como nível social, cultural e econômico, além da aparência física. É evidente que, até mesmo no plano biológico, a aparência é importante, porém a aparência capaz de despertar o desejo, que pode não ter nenhuma relação com os critérios socialmente construídos do belo em uma determinada época. No entanto são os critérios, e não a verdadeira atração, que na maioria das vezes determinam o peso da aparência.  Além disso, “a mulher...nunca é dona de si. Seu ser se divide entre o que é realmente e a imagem que faz de si. Uma imagem que lhe foi impressa por família, classe, escola, amigas, religião e amante. Sua feminilidade nunca se expressa, porque se manifesta por meio de formas inventadas pelo homem”.  Quanto aos homens, submetem seus gostos à imagem feminina imposta pelo círculo social. “Incapazes de escolher”, selecionam as esposas entre as mulheres “convenientes”. E assim o amor, que deveria ser a união radical de duas pessoas para juntas experimentarem a vida e sublimarem a solidão que significa estar vivo e consciente, e que segundo esse mesmo autor é “a profundeza última da  condição humana”, passa a ser um simples acerto de conveniência. Não é à toa que Octavio paz cita Proust, com uma famosa frase de  Swan: “E pensar que perdi os melhores anos da minha vida com uma mulher que não era sequer o meu tipo”. 
Assim, por causa  dessas restrições e artificialismos, o amor verdadeiro passa a ser um ato “anti-social”, um ato revolucionário, que surpreende e causa choque. 
Recentemente lembrei desse belo texto de Octavio Paz quando li uma entrevista com o compositor Marcelo Camelo. Eu tive, há algum tempo, uma séria antipatia pelo namoro dele com a cantora adolescente Mallu Magalhães. Tinha admiração por Camelo, achava as letras dele interessantes. E afinal ele era um cara, na época, com uns trinta anos. Então essa imagem desmoronou bastante quando o vi envolvido com uma garota que não falava coisa com coisa, e muito mais jovem. No entanto me surpreendi com algumas declarações dele nessa entrevista:

Repórter: O que mais te encantou nela?
Marcelo: É como se, quando ela tocasse, virasse eterna. Ela sai do universo mais óbvio de percepção que se teria dela e vira uma coisa maior, um universo inteiro. Quando ela tocava vinha uma força que eu achava estranha. Além disso adoro o modo como ela cria melodias. Foi uma ligação espiritual, imaterial.

Repórter: Como você sentiu a cobrança pelo fato de ela ser muito mais nova?
Marcelo: Quando você se apaixona, você se apaixona. O radical da palavra é o mesmo de passividade. Porque, quando acontece, tu fica meio passivo. Não tem questionamento. Nosso encontro foi algo muito especial.

Talvez sem saber, Camelo foi puro Octavio Paz. O radical do amor é mesmo a passividade. É ser escolhido, é ser levado por um desejo mais profundo, que vai além das regras de escolha que normalmente nos são ensinadas.  Talvez amar seja recuperar a delicadeza perdida, seja lançar sobre o outro um olhar puro, límpido.
Claro que a duração do relacionamento depende da existência de compatibilidades, mas a brevidade do encontro não significa efemeridade do sentimento, nem o contrário. E compatibilidade não significa necessariamente identidade cultural, social e financeira. Na verdade, somente livres das máscaras e dos condicionamentos as pessoas são capazes de vislumbrar uma experiência amorosa autêntica. 
 “E pedimos ao amor – que, sendo desejo, é fome de comunhão, fome de cair e morrer tanto quanto de renascer – que nos dê um pedaço de vida verdadeira. Não lhe pedimos a felicidade, nem o repouso, mas sim um instante, apenas um instante, e vida plena, em que os contrários se fundam, e vida e morte, tempo e eternidade, compactuem”.

Obs.:  A entrevista com Camelo é da revista Trip. O título e a primeira citação  (em itálico) fazem parte da belíssima música "Todo Sentimento", de Chico Buarque.

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